Jota Geraldo
Uma tragédia por dia basta.
Caiu – se jogou – ah! tanto faz! – tanto faz? – da janela do quinto andar em frente ao Teatro Municipal e não era teatro nem canção.
13:42.
– 30 anos.
– Zelador.
– Caiu.
– Pulou.
– Você o conhecia?
– Não.
– Depois da queda, como se fosse possível viver um pouco mais, ainda andou.
– É a segunda tragédia que acontece com ele. Aquele negócio no rosto.
– Viajo por todo país. Já vi cada coisa. Perna prum lado da estrada, braço na contramão.
– Não dá para saber se dói.
– Até acidente de avião presenciei. Fiz dois treinamentos de primeiros socorros.
– Todos morreremos.
– Carne esmagada. Colisão de caminhão com moto é feio.
– Não adianta fugir porque uma hora…
– Nunca imaginei que meu pai morreria. Quando teve AVC levei um susto.
– A hora da morte não está no relógio.
A maca com o zelador: corpo empoeirado, camiseta com a sujeira captada ao longo da queda, musgos, folha seca, calça jeans, tênis preto Rainha.
– Ainda está vivo.
A boca fala sangue.
Se o que fui é o que sou já tive 29 anos, arrebentei a bolsa amniótica em São José dos Campos, interior de São Paulo, bebi café até o último verão em Paraisópolis, sul do sul de Minas Gerais, onde interpretei um operário numa fábrica automotiva. Hoje, cinza em Curitiba, Jota Geraldo, busco meu norte. Para evitar a própria morte inédita e sem emoções, publico o que acredito serem poemas no http://biciclettes.blogspot.com e mantenho “engavetados” no HD: “Palavrazelétrikas” (1999), “O Que Só As Azaleias Podem Pensar” (2001) e “Bala Preta” (2010), além dos inacabados rascunhos “Desfragmentação” e “Madara”. Esta é a minha estreia como contista. Abandonei a poesia para respirar outros ares… Afinal, se o que fui é o que sou essa é a minha chance de ser poeta.
Leia a seguir Doce perfume.