[Marcelo Maio]
O menino de 12 anos conversava com seu avô, no quarto do hospital.
– Como foi a sua vida?
– Que pergunta… Parece que já estou morto.
– Não! Não foi o que eu quis dizer!
Mas foi o que ele quis dizer.
Era uma tarde fria de julho, ainda mais gelada no quarto hospitalar.
– Não se preocupe. Eu sei que vou morrer em breve.
– Não fala assim!
– A minha vida foi boa – ele respondeu, por fim. Não teve forças para elaborar mais. Cada palavra enunciada era uma enorme dificuldade.
– Descansa. Dorme um pouco. Não precisa falar.
O médico entrou no quarto. Sempre se surpreendia com a postura do menino, aparentemente maduro para a idade.
– Como estão as dores? – perguntou o doutor.
– Não dói mais nada… Mais nada… – respondeu o doente.
O médico revisou os equipamentos que ainda mantinham vivo o paciente, e logo saiu. Não demorou muito para o enfermo fechar os olhos, ainda não em definitivo.
O neto e o avô ficaram assim por mais de uma hora. Um, dormindo; o outro, encarando o nada, imerso em uma atmosfera de luto antecipado.
– Como ele está? – perguntou uma enfermeira, passado mais algum tempo.
– Bem. Dormindo.
– Estou no corredor. Qualquer coisa, me chama.
O acompanhante concordou. Seu olhar sempre visava a barriga do doente, para se certificar de que ela ainda subia e descia.
Dada hora, o paciente acordou. Com esforço, pronunciando sílaba por sílaba, ainda conseguiu dizer:
– Só quero me despedir. Estou morrendo… Agora.
O outro chorou. Já não podia fazer mais nada para manter com ele uma das pessoas por quem mais tinha amor. Segurou sua mão. Viu a vida se apagar naquele leito.
A cabeça do menino tombou definitivamente para o lado. Aos prantos, o velho saiu do quarto para comunicar a morte de seu amado neto.
Marcelo Maio nasceu em 1986, no Rio de Janeiro, cidade onde também cresceu. Aos 24 anos, mudou-se para Brasília, mas atualmente vive em Tóquio. Escreve desde a adolescência e teve contos e poesias premiados em concursos literários. Em 2015, lançou uma coletânea de contos, pela Editora Multifoco, chamada “O cemitério dos solitários”. Mantém o blog Me lê aí!, onde o esse conto foi originalmente publicado.
Leia a seguir “Águas do meu batismo“.