[Rafael Rodrigues]
(Brasil, 2017, numa escola sem partido)
“Vocês precisam entender o seguinte: nosso objetivo não é vencer as discussões com argumentos. Não temos o menor interesse em debater com o adversário. O nosso objetivo é vencer o interlocutor pelo cansaço.”
“Professor, uma pergunta: o que é interlocutor?”
“É aquele com quem você está dialogando, Jair. Por exemplo: se você e o Carlos Alberto estão conversando, um é o interlocutor do outro.”
“Ah, tá, obrigado.”
“Continuando, eu quero que vocês entendam o seguinte: o quanto antes o interlocutor desistir da conversa, melhor. Quando isso ocorre, vai ficar a impressão, para os outros, de que a sua palavra prevaleceu, e que o interlocutor ficou sem argumentos, ou seja, que ele foi vencido. Entenderam?”
(Coro) “Sim, professor.”
“Vamos lá, um exemplo prático. Vamos supor que eu publique, no Facebook, o depoimento de um pai falando que seus dois filhos entraram numa onda comunista e que, para resolver a situação, ele decidiu confiscar os celulares, os computadores, os tênis, as roupas de marca dos garotos, e deu-lhes pijamas, sandálias de couro e material para eles fazerem artesanato e vender na rua. E que, após ter feito isso, os garotos desistiram das ideias comunistas. Logo em seguida, um comunista comenta: ‘Isso não é um pai, é uma cavalgadura’. O que vocês fariam?”
“…”
“Ninguém arrisca?”
“…”
“Emílio, Carlos Alberto, Jair?”
“…”
“Ok, vamos lá. As respostas devem ser breves, curtas e enfáticas. O ideal…”
“Professor, o que é enfática?”
“É quando você é taxativo, veemente, Jair.”
“…”
“Firme, Jair. Quando você diz alguma coisa com firmeza, digamos assim.”
“Ah, tá, entendi.”
“Como eu ia dizendo, o ideal é que seu comentário tenha apenas uma linha, para que fique a impressão de que você não tem dúvidas quanto a sua opinião. E também para não arriscar escrever alguma coisa que possa ser utilizada contra você. Além disso, é importante desafiar a paciência do interlocutor. O quanto antes ele perder a paciência e parar de contra argumentar, melhor. Portanto, a resposta ideal nesse caso seria dizer alguma coisa do tipo ‘nem todo herói usa capa’. Entendido?”
“Mas e se a pessoa responder de novo, professor?”
“Bem, digamos que o interlocutor conheça o caso do pai que matou o filho por discordâncias políticas e traga isso à tona. Você…”
“Professor, o que quer dizer ‘traga isso à tona’?”
(Chutando a mesa.) “PORRA, JAIR! PORRA! CARALHO! Trazer à tona significa revelar, mostrar, colocar isso na conversa, cacete.”
“Desculpa, professor, é que eu…”
“É que eu nada, Jair. Você precisa ler mais, porra. Você precisa ler mais. Bem, continuando, vocês devem responder a esse comentário com algo do tipo ‘Por trás de todo jovem comunista tem um pai capitalista dando duro para sustentá-lo’. Percebam que, dizendo isso, vocês levarão a conversa para outro rumo. O post do pai já não será o foco da discussão, e sim o capitalismo e o comunismo. É até possível que, nesse momento, o assunto seja encerrado.”
“Mas e se alguém comentar novamente, professor?”
“Comentar o quê, por exemplo, Reinaldo?”
“Ah, sei lá, algo tipo ‘pai que dá duro não é capitalista, é trabalhador’, por exemplo. Ou que não existe mais comunismo no Brasil.”
“Reinaldo, você está com umas ideias muito perigosas… Precisamos conversar sobre suas leituras e companhias depois. Mas, bem, nesse caso, a melhor resposta seria ‘então o trabalhador não pode ser capitalista?’ ou ‘todo trabalhador é comunista, então?’. A partir daí temos dois cenários: ou o interlocutor desiste da conversa, ou ele insiste e argumenta que o trabalhador pode ser capitalista, desde que monte seu próprio negócio, por exemplo. Percebam que, nesse caso, temos um interlocutor astuto… Inteligente, Jair.
O melhor a fazer, caso a conversa chegue nesse nível, é desviar do assunto e utilizar uma frase infalível, que fará nosso adversário desistir de dialogar e nos deixará com a última palavra. A frase é curta, e vocês já conhecem: ‘o importante é que os heróis de 64 acabaram com os comunistas’. Entenderam?”
(Coro) “Sim, professor.”
“Ótimo. Agora vamos falar sobre a ameaça da invasão russa ao Brasil.”
Rafael Rodrigues, editor da Outros Ares, é autor de “O escritor premiado e outros contos” e “Mais um para a sua estante”.